Em Espanha há arquitetos que estão a mudar pequenas localidades em conjunto com a população. Em Portugal, há artistas ao serviço de assembleias comunitárias. O projeto chama-se Arte Pública e é uma das linhas da frente da Fundação EDP.
Quem sai de Oviedo e segue a estrada em direção a oeste, atravessa uma sucessão de vales verdes que levam à pequena vila de Tineo. O local está escondido no coração das Astúrias desde o final do século VIII, a uns 400 metros de altitude, num promontório de onde é possível ver as cordilheiras que compõem o norte de Espanha. Tineo tem pouco mais de nove mil habitantes, que vivem da pecuária e da indústria mineira. É uma comunidade coesa, ligada à terra e à memória.
Visitar a Plaza del Ayuntamiento é obrigatório. É onde ficava localizada a antiga galeria dos Almacenes Tineo, com um miradouro com vista para as montanhas e que em breve vai ficar ainda mais apelativo, pois é ali que será instalado o Luz Minera, um projeto de arquitetura de dois estudantes da Escola de Arte de Oviedo. Foi o primeiro prémio da segunda edição do concurso de Arte Pública da Fundação EDP em Espanha.
É uma intervenção urbanística que segue os vestígios da história para melhorar a função social de um espaço multiusos. “Numa região mineira, industrial e pecuária Candidatacomo Tineo, decidimos recriar uma lanterna mineira arquitetónica”, explicam Sergio Fernandez de Pablo e Miguel Ángel Bauta. A intenção era resolver necessidades humanas num exercício criativo que respeitasse a tradição da arquitetura asturiana. “Um novo volume será erguido onde estava a antiga galeria dos Almacenes Tineo. Haverá um sistema de peças destacáveis que se dilui em partes mais pequenas, adaptáveis aos usos do ano e ao clima. Estas novas peças estarão igualmente nas várias praças adjacentes e formam uma constelação de luz numa vila cujo céu ainda é negro durante a noite.”
O concurso pedia a melhoria da praça em termos de sustentabilidade e inclusão social. Isso conseguiu-se sem problemas, através de um processo de participação dos cidadãos, atento às necessidades quotidianas. É o que sublinha Vanda Martins, da Fundação EDP: “O que distingue esta iniciativa de outros concursos é, por um lado, o diálogo com a comunidade para descobrir a sua relação com o local de intervenção; por outro, a ideia vencedora será implementada pela autarquia, mas com os criadores do projeto como protagonistas”.
Tomás Fernández Muñiz, alcaide de Ribera de Arriba, é assertivo: “Recebemos o Arte Pública com bastante expectativa. Desde o início das conversas que tivemos com a EDP que percebemos que era bastante inovador, social, original e integrador. Tem sido muito bom contar com esta parceria Ibérica da EDP Espanha e Portugal. Quando começámos tínhamos apenas umas cem pessoas a participar. Mas esse número foi aumentando e houve uma grande repercussão em toda a região, com várias reportagens em jornais, inclusive nacionais. As pessoas perguntavam: ‘O que é o Arte Pública’? Gosto de dizer que é um projeto local de repercussão global.”
O respeito pela participação dos cidadãos está em primeiro lugar: ouviram-se os habitantes para definir a ideia a explorar, só depois se abriu o concurso.
Quando o Arte Pública arrancou em Espanha, em 2020, o foco também foi nas Astúrias, em Ribera de Arriba, a sul de Oviedo. Candidataram-se 33 projetos de quase 60 participantes, de 20 universidades. O respeito pela participação dos cidadãos foi escrupulosamente mantido: primeiro ouviram-se os habitantes, para definir a ideia a explorar. Só depois se abriu o concurso. A eficácia dos resultados é notória e está em curso a transformação da área pública do Barrio de La Llosa, onde residem famílias de baixo rendimento, em espaços desportivos, de diversão infantil e de lazer e descanso, compostos por módulos resistentes, mas de produção económica, que são montados com a ajuda dos moradores. O projeto chama-se 50 X 50: La Plaza Fragmentada e é de Pablo Guardia Hermida e Arturo Moreno Latorre, da Universidad Politécnica de Madrid. Mais: para demonstrar o verdadeiro espírito de cidadania, os projetos que receberam menções honrosas no mesmo concurso serão integradas no projeto executado.
Sentimos que o envolvimento das pessoas é total e muito entusiasta. O Arte Pública é um projeto interessante para a arte, para os artistas, mas, sobretudo, para as comunidades.
- Miguel Coutinho, diretor da Fundação EDP
O Arte Pública começou como uma ampla iniciativa da Fundação EDP lançada em Portugal em 2015. A curadoria convida artistas a desenvolverem um processo de colaboração com as populações locais, motivando-as, tal como se replicou em Espanha, a participar em assembleias comunitárias para discussão das propostas de intervenção. No caso português, trata-se de uma progressiva revolução na arte mural. Há criações em fachadas, muros, postos de transformação da EDP Distribuição e outros edifícios. Continua em força e orienta-se para territórios de baixa densidade populacional.
O mapa de ação é intenso e tem vindo a mudar a paisagem construída. Até agora, o projeto expandiu-se a 31 localidades, do Algarve ao Alentejo e Ribatejo, Beira Baixa, Minho e Trás-os-Montes. Já intervieram 54 artistas individuais ou coletivos, entre eles nomes como Vhils, Manuel João Vieira, Susana Gaudêncio, o atelier R2 Design, Xana e alunos da Faculdade de Belas-Artes. No total, produziram-se 139 obras.
Há exemplos simultaneamente icónicos e personalizados, como as figuras que Frederico Draw compôs num posto de distribuição na aldeia de Vales, em Alfândega da Fé, a partir das profissões de Laurinda Rodrigues, queijeira, e do marido João, corticeiro, ambos na casa dos 70 anos de idade. Os retratos são anónimos, mas estão à vista todos os seus instrumentos de trabalho, sublinhando as atividades típicas da região.
No outro extremo do país, em São Bartolomeu de Messines, o artista Xana utilizou o método de aprender a ler da Cartilha Maternal do escritor João de Deus, natural desta localidade, para pintar palavras também num posto de distribuição. Ficaram inseridas em formas onduladas vermelhas, rimando com a cor das pedras típicas de Silves, o grés, e as formas da igreja local. O comentário do presidente da junta de freguesia, João Carlos Correia, é revelador: “Tenho sentido mais impacto junto das camadas mais velhas de pessoas, a pedirem intervenções nas caixas da EDP Distribuição das suas ruas. Pode pensar-se que as pessoas estão pouco viradas para este tipo de arte, mas não. Perguntam quando é que chega à rua delas.”
Iniciativa já envolveu a produção de 139 obras, de 54 artistas individuais ou coletivos, entre os quais se incluem nomes como Vhils, Manuel João Vieira ou Susana Gaudêncio.
Miguel Coutinho, diretor da Fundação EDP e coordenador do projeto, explica que o que motivou a EDP a levar o Arte Pública para outros territórios que não o das grandes cidades foi permitir o acesso à cultura a quem normalmente não o tem. “Sentimos que o envolvimento das pessoas é total e muito entusiasta. É um projeto interessante para a arte, para os artistas, mas, sobretudo, para as comunidades.”
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